domingo, 25 de setembro de 2011

Arte Nas Ruas BH

Artistas de rua de BH levam sua visão estética e política para todas as regiões da cidade.

Para entender o universo do grafite e outras vertentes da arte gráfica feita nas ruas é necessário um glossário. Isso sem falar de termos como throw-up, wild style e cross. Mais que termos e gírias, essa cultura urbana envolve pensamentos, sentimentos, ideologias e formas de encarar a vida e a arte que, apesar de se unirem num resultado em comum, são produzidas por pessoas completamente diferentes.


Exemplo prático: um dos grafiteiros entrevistados acha que a arte de rua está muito pop. Ela deveria ser, por natureza, algo escondido no underground e não matéria de jornal. Outro é a favor de colocar grafite em galerias para dar mais visibilidade. Não por coincidência, o primeiro não vive de arte e o segundo paga as contas pintando paredes.

Moral da história é que só sabe dizer que mundo é esse quem está nele. Ainda assim, é difícil explicar para quem está de fora. Mas Xerelll tenta: “Hoje estou mais calmo, mas me lembro de uma época em que acordava às 3h da manhã, do nada, pegava os jornais e saía para colar lambe. Começava a dar um rolê no Santa Tereza, chegava ao Centro, passava a Raul Soares e, quando me dava conta, já estava na Avenida do Contorno, do outro lado, e a "pé", conta.

Mais do que passar por diferentes áreas da cidade caminhando, quando um grafiteiro sai para um rolê, ele vive todo o sentimento urbano. “Tudo isso é feito trocando ideia. Você chega a um bar, pede um refrigerante e conversa com uma pessoa, isso é legal. É uma cultura bem urbana e você acaba absorvendo essa coisa. É uma viagem”, conclui o grafiteiro, que confessa que anda meio parado.

Velha guarda da arte na rua em BH, Xerelll é referência para os mais novos. Atualmente, é vendedor de uma loja na Galeria Praça Sete, especializada em material para grafite. Mas ainda é possível esbarrar com algumas de suas obras, no Viaduto de Santa Tereza ou nos stickers do personagem O Vigia.

Inovações Diferentemente de Xerelll, que não tem formação acadêmica na área, o grafiteiro Ma3us acaba de ingressar na Escola de Belas Artes da Uemg. Ele confessa ter descoberto a arte por meio da curiosidade pela pichação e explica a diferença entre as duas. “Grafite é uma forma mais elaborada de manifestação. Pichação é a assinatura da pessoa ou siglas de gangues. É uma maneira de ser visto, mas sem a elaboração e produção que se usa no grafite”, define.

É unânime entre os grafiteiros de BH a ideia de que não há discriminação entre uma expressão e outra. “Os dois são primos, são legais e têm quase a mesma técnica de manipulação de spray. Não tem preconceito, mesmo porque o primeiro contato de muita gente com a tinta foi com a pichação. Geralmente a gente começa novo, pega o spray na curiosidade de assinar e acaba partindo para temas mais elaborados”, explica.

Elaborados mesmo. Entre os trabalhos mais recentes do artista há uma intervenção com leds ligados a uma pequena bateria, colados em lambes ou stickers. “É muito efêmero. Faço e fotografo. Às vezes dou a volta no quarteirão e o led não está mais lá. Mas coloco o led no olho e a bateria no coração dos personagens desenhados. Quando rasgam para levar, rasgam o olho num corte que vai até o coração e isso também dá umas fotos legais”, conta Ma3us.

Outro trabalho que foge ao padrão básico do muro é o grafite digital. Ele prepara uma animação no computador e a projeta em um painel. Ao vivo, em locais onde há público, como festas, enquanto as imagens vão aparecendo, ele pinta, fazendo com que elas se mesclem e interajam.

Comunidade Viber sempre fala na primeira pessoa do plural, porque nunca anda sozinha. Todos os seus grafites são assinados por ela e Zack, o namorado. Os dois começaram a grafitar juntos oito anos atrás e, até hoje, só saem no rolê para pintar acompanhados um do outro. Às vezes entra mais gente. Em eventos específicos um ou outro grafita sozinho, mas andam sempre colados.

No mundo da arte de rua é assim: sozinho, em turma, em dupla ou trio. Coletivos organizados, equipes criadas para um determinado projeto. Não há um perfil. Assim como não há perfil do artista. Designer formado e criado na Zona Sul e uma galera autodidata que vem do morro estão entre os grafiteiros da cidade.

Viber conta que conhece uma galera do stêncil que troca moldes com pessoas de outros países, enviando pelo correio. Ma3us participa de comunidades no Orkut e Xerelll está no Flickr. Aliás, o Flickr, criado pensando em fotógrafos, virou também uma grande comunidade de grafiteiros.

Arte é tudo

Se um muro pode ser pintado, um adesivo rasgado ou uma projeção acabar, o efêmero é forte característica da arte de rua. Apesar das inovações, nenhum grafiteiro cita tendência específica. Mas uma técnica em especial está na boca de todos: a instalação.


Imagine a cena: uma caçamba, um monte de caixas de papelão e um monitor velho. Para uma mente criativa é o suficiente para fazer uma escultura. A questão é que alguém pode passar e simplesmente chutar. Outro pode querer levar o monitor e, por fim, mais cedo ou mais tarde, a coleta urbana passa e leva tudo.

Até por isso tantos artistas da rua fotografam as próprias obras. Outros, não necessariamente produtores, também ajudam nessa função. É o caso do cineasta Sávio Leite (realizador da Mostra Udigrudi Mundial de Animação, o Mumia). Principal colaborador do blog www.grafitesbh.blogspot.com, ao passar por um, ele fotografa e publica no blog, organizando as obras por endereço.

“Meu interesse começou com a pesquisa do meu filme Terra. Acho que o grafite é a arte mais livre e inventiva que existe. Depois do filme virou uma febre e obsessão. E acredito que isso não passe tão fácil, pois a cada dia coleciono mais fotos. Como tenho muitas imagens, tento postar uma por dia”, conta Sávio.

Acabamento Sofisticação no produto está entre os objetivos de muitos grafiteiros. “Quanto mais sofisticado melhor. Não é por estar na rua que deve ser largado. Se não for muito agradável aos olhos de quem vê, não faz diferença. Busco isto no meu trabalho: ser cada dia melhor. Sempre brincamos que nosso melhor grafite vai ser o próximo”, define Viber, umas das representantes femininas da arte em BH.

Professora de grafite no projeto Fica vivo de seu bairro, o Taquaril, ela já foi convida a dar palestra em Salvador e grafitar por lá. E cita nomes que foram ainda mais longe, como Ramon Martins, mineiro representado por galerias em Paris e São Paulo, que vive entre essas duas capitais e Bruxelas.


Traduzindo

Lambe-lambe – Qualquer papel, geralmente um jornal ou recorte de revista, colado com grude
Sticker – Semelhante ao lambe-lambe, mas é produzido pelo artista e colado como adesivo
Stêncil – Recorte de um molde vazado. Ele é colado no spot e pintado. Depois, retira-se o molde e fica só a tinta
Spot – Ponto onde é feita a arte
Pichação – Assinatura feita com spray. É proibido por lei
Grapixo – A assinatura da pichação, porém mais elaborada, com letras mais gordas e com uso de cores
Bombing – É um grafite, geralmente sem autorização, em que o grafiteiro precisa ser rápido
Grafite – Inscrições e desenhos que nasceram da pichação, mas são elaborados
Instalação – Arte feita na rua com os objetos que estão ali. O artista pode utilizar spray ou barbante
Wild style – Estilo de escrita em que não é possível entender as letras. A menos que você seja do ramo
Cross – Ação muitas vezes consentida, ato de grafitar por cima de outro trabalho

(Manifestação underground diversifica técnicas e já começa a conquistar galerias)


Sticker é adesivo produzido em casa; lambe é um pedaço de papel que já existia e foi colado na rua. Tag é uma assinatura na parede que pode ser feita com marcador de texto produzido exclusivamente para isso; bombing é um grafite mais rápido, para fazer logo e sair correndo; e instalação é um monte de lixo transformado em arte, feito para durar até que passe o próximo lixeiro.


Fonte: http://www.divirta-se.uai.com.br

/